31 de jul. de 2012

Pra não dizer que não falei d'A flor

                                                                                           
Conheci-a em 1964. Era a minha mais bela flor. Ela era radiante, mais que a luz do sol. Tinha cabelos soltos, tocava violão como ninguém. Aspirava liberdade. Era ativista contra a ditadura militar. Aquela menina parecia reunir todos os conceitos mais belos dentro de si. Mas com certeza o melhor dela era saber admitir seus limites, sua dor, seus defeitos. Ela dizia isso, sem problema. Ela sabia sofrer direito. Sofria sem escândalo. Sofria reconstruindo o tempo perdido, reconstruindo si mesma. Ela entendia a importância da dor e sua energia renovadora. Muitos daqueles positivistas viriam então dizer-me que não, não devemos sentir a dor, blá, blá, blá. Pois lhes digo então que sentir dor faz parte do ciclo natural da vida. Faz balançar tudo aqui dentro, o coração fica apertado, as perguntas de uma vida mudam completamente. E é por isso que ninguém gosta de sentir dor. A dor é um sinal, não a causa. A dor só mostra que há algo errado. A dor faz com que a gente se sinta obrigado a olhar pra si, olhar um espelho que reflete nossa personalidade, sem piedade alguma. E isso é de cortar o coração de qualquer um. Então, é mais fácil evitar. Fingir que está tudo bem, que já passou. Mas na verdade, nos corroemos por dentro, cada pedacinho da alma sofre. Ela me ensinou tudo isso. Ensinou-me a respeitar a dor, mas não deixá-la vencer. Ela me ensinou que tudo é relativo, a gente escolhe como vê cada situação. A pior das desgraças para ela era motivo de reflexão, recomeçar. E isso me dava uma raiva! Eu queria gritar, odiar a Deus! Mas ela não me deixava. Não por me obrigar, por me fazer enxergar a verdade e assim é pior ainda, saber que o que pensamos está errado. Ela me fazia tão bem, sabe… Ela me fez perceber as diferentes matizes do brilho do sol, fez-me saber viver poesia, liberdade, o amor. Hoje… Bom, hoje ela ainda me faz ver tudo dessa forma e ainda mais bonito. Ela se foi em 1970. Foi tudo muito rápido, muito intenso, muito forte. O nosso romance, nosso aprendizado, a vida dela. Ela tinha vinte e sete anos quando morreu. Esse foi o pior momento da minha vida. Eu a amava de uma forma que nenhuma daqueles militares jamais entenderia. Eu daria minha vida por ela. Eu queria viver com ela, lutar com ela, crescer com ela, ter filhos com ela. Ensiná-los a liberdade, a beleza das coisas. Hoje sou casado, tenho filhos, sou feliz. Eu fiz tudo o que ela queria eu fizesse. Eu lutei (e ainda luto) pela liberdade, fui muito feliz, conheci a mãe dos meus filhos. Mas nunca a esqueci e jamais esquecerei. Sei que ela também não me esqueceu onde está e um dia a gente vai se encontrar. Caminhando e cantando e seguindo a canção…

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